Luiz Augusto Pereira de Almeida*
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As mudanças climáticas, segundo distintos estudos científicos, têm provocado impactos nos regimes pluviométricos. É verdade. Porém, não ainda numa proporção que justifique as tragédias anuais a que temos assistido no Brasil, que se repetem, neste verão de 2022, em Petrópolis, São Paulo, Bahia, Minas Gerais e outras regiões, com a perda de vidas, centenas de famílias desabrigadas, riscos à saúde pública e imenso prejuízo material e financeiro. Chuvas intensas, independentemente do aquecimento da Terra, sempre atingiram nosso Brasil tropical.
Assim, é preciso encarar a realidade: o aumento de ocorrências de enchentes, deslizamentos e quedas de barreiras, desabamentos de casas penduradas em morros ou localizadas à beira de mananciais tem uma causa muito clara e indisfarçável, que é o uso e a ocupação irregular e desordenada do solo. O crescimento demográfico sem planejamento urbano empurra cada vez mais famílias para moradias precárias, situadas em locais impróprios, com o desmatamento de encostas, assoreamento de rios e aterramentos equivocados. É o cenário perfeito para que a natureza promova a seu modo o rearranjo de águas e terras, à revelia dos seres humanos.
O uso e a ocupação desordenados do solo provocam a devastação de mananciais hídricos e da vegetação, na esteira de numerosas invasões de terrenos que deveriam ser preservados. Mais recentemente, essa atividade ilegal passou a ser exercida pelo crime organizado, que ocupa amplas áreas, desmata e faz loteamentos clandestinos, comprados por milhares de pessoas, que muitas vezes sequer desconfiam das irregularidades.
Faltam no Brasil 7,7 milhões de moradias para que a população exercite o direito a condições dignas de vida, segundo mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE). Além disso, estudo da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), revela que o déficit habitacional vem aumentando, principalmente a partir de 2013. Assim, além dos esforços já empreendidos pela União, estados e municípios, novas políticas públicas de incentivo ao capital privado são prementes no setor.
É preciso, ainda, alterar em termos estruturais e conceituais os planos diretores dos grandes municípios, para que volumosos contingentes populacionais deixem áreas de risco e tenham condições adequadas de moradia. É necessário que legislações ambientais sejam revistas para que o uso do solo seja mais bem aproveitado. As mais avançadas tendências relativas à ocupação das áreas urbanas recomendam maior adensamento, recuperação de espaços centrais para habitação e revisão dos protocolos de verticalização das construções.
São Paulo, maior metrópole brasileira e uma das mais populosas do mundo, é um exemplo. Recentemente, aprovou-se no município a Lei do Retrofit (nº 17.577/2021), pendente de regulamentação, que estabelece incentivos fiscais e construtivos para o reaproveitamento de imóveis na região central da cidade. A proposta é aumentar investimentos e a oferta de moradia. Segundo um levantamento da SPUrbanismo (Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento), cerca de três mil imóveis são elegíveis para o programa. Trata-se de iniciativa louvável e deverá, em poucos anos, levar muitas famílias a residirem no antológico centro velho da capital paulista, que já conta com total infraestrutura urbana, comercial e de serviços. Ou seja, vida com qualidade. Mas, isso é muito pouco, dado o déficit habitacional e as moradias em situação de risco.
Num olhar para todo o País, encontra-se em formulação, no Governo Federal, a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), ainda incipiente. Seus propósitos, contudo, são pertinentes e podem estabelecer alguns parâmetros para ações mais efetivas das unidades federativas: reduzir as desigualdades socioespaciais nas escalas intraurbana e supramunicipal, fornecendo apoio, suporte técnico e subsídios nessa área aos municípios. Que o projeto prospere.
Este 2022 eleitoral renova a oportunidade de se discutir o problema grave do uso e ocupação irregular do solo e do déficit de moradias dignas no Brasil. Solucioná-lo é um compromisso prioritário dos que forem eleitos. O planejamento urbano precisa ser contemplado de modo efetivo nas políticas públicas. Se não revirmos já o modo como (não) temos encarado o desafio, continuaremos perplexos diante da TV, a cada verão, assistindo à natureza cobrar seu amargo preço pelos nossos erros históricos.
*Luiz Augusto Pereira de Almeida é diretor da Sobloco Construtora e membro do Conselho Consultivo do SECOVI.
Fonte: Ricardo Viveiros & Associados Oficina de Comunicação