Wagner Balera
Os empréstimos fazem
parte da história das instituições de previdência brasileira, desde os seus
primórdios. Em 1946 ocorreu a primeira disciplina sobre a matéria.
Mas é bem mais recente a modalidade bancarizada dos
créditos consignados. Vai completar, em breve, vinte anos.
É essa que está, agora, sob a mira de atenções do
Estado brasileiro.
O imenso volume de empréstimos obtidos sob essa
modalidade revela algo que, só aparentemente, cooperou para o bem-estar dos
tomadores dos recursos.
Encantados pelo atrativo de taxas de juros menores
e já atraídos pela facilidade da liberação do valor mutuado, milhões de
beneficiários da seguridade social se valeram dessa modalidade de crédito.
O grande problema é que, como todo e qualquer empréstimo, esse deve ser
honrado com os respectivos pagamentos.
E quem tomou o empréstimo não tem como pagar,
porque é comum ter sido comprometida com tal dívida quase a metade do
rendimento, as mais das vezes muito modesto, do tomador. Mas, o valor da dívida
é deduzido da prestação social. Não há como dela se esquivar.
As mitigações do problema, desde que bem
analisadas, revelam certa falta de sensibilidade de quem incentivou tal
prática.
Dir-se-á: o juro é baixo. Comparado com que
referencial? Uma portaria governamental do ano passado resolveu que o juro
deveria observar o limite de 3,5% ao mês.
Vale compará-lo com outro programa social. Nele
quem empresta, compulsoriamente, é o trabalhador. É o FGTS. Quanto rende esse
fundo? 3% ao ano. O FGTS rende, ao ano, o que o consignado custa por mês.
Portanto, o primeiro argumento do juro baixo é de
duvidosa veracidade.
Também se argumenta que a modalidade de crédito em comento conta com a
vantagem de período alargado de pagamentos.
Ora, prazos mais longos de pagamento, a bem de ver, não é
vantagem alguma e, sim, ilusionismo para atrair as pessoas. Vão pagar uma
quantia pequena (atenção: pequena para quem?) durante anos e anos. E ainda se
dá como vantagem que o prazo pode chegar a cento e vinte meses.
Os mais vulneráveis se expõem a riscos frequentes e
intensos. Ora é a enfermidade que surge abruptamente; ora é a praga desemprego
que atinge alguém da família, que dependerá da ajuda do único do grupo que
possui o rendimento estável.
E não são poucas as situações nas quais o que toma
o empréstimo só o faz para socorrer algum parente que se encontra em estado de
extrema necessidade.
Adentramos, agora, na face mais sombria do
problema. A do superendividamento.
Depois de ser instado por todos os meios
propagandísticos a obter o remédio que cura todos os problemas financeiros que
o atormentam, e de ter em favor da decisão que tomará os falaciosos atrativos
já antes apontados, é bem provável que o tomador já esteja a braços com outras
modalidades de crédito, sobretudo relativos ao financiamento de bens de consumo
direto.
Assim é que, ao limitador na parcela deduzida
automaticamente no consignado, se somará a prestação do fogão, da geladeira, da
lavadora...
E, àqueles 35% deduzidos do benefício são
acrescidos outros tantos por cento para a paga das demais prestações.
O que restará, então, para o atendimento da
alimentação, da luz, do gás e das demais necessidades inerentes ao mínimo
existencial?
Carrega consigo o superendividamento consequências
gravíssimas, das quais a mais notória consiste no empurrar do devedor na imensa
sentina rotulada de nome sujo.
Nada mais se consegue, então, da vida. Vida
severina, como disse o imortal poeta.
Os jornais oferecem, agora, solução redentora: a
anistia do débito.
Ninguém deixará de aplaudir tal solução, que retira
o pobre do monturo no qual foi lançado.
Mas, ninguém fala do custo direto e indireto dessa
benesse.
Alguém poderia supor que a concessão da anistia se
resolve com uma penada.
Não será bem assim.
O credor quererá, com justo motivo, a sua
contrapartida.
Ademais, como numa reação em cadeia, devedores de
outras latitudes e longitudes embarcarão na onda e, igualmente, pleitearão a
anistia ampla, geral e irrestrita de seus débitos bancários e fiscais.
Todos sabem que os tomadores de crédito agrícola,
sempre com excelentes desculpas, são campeões na concessão de anistia pelos
estabelecimentos oficiais de crédito.
Enfim, há um problema grave com o consignado.
Essa modalidade de empréstimo é oferecida tão logo
o beneficiário fica sabendo que receberá a prestação. Sim. Antes mesmo de ter
sido efetuado o primeiro crédito, como que automaticamente, alguém começa a
oferecer o crédito consignado à pessoa que se tornou credora de certo
benefício.
Ora, qualquer um de nós poderia perguntar: mas como
essa informação chegou ao conhecimento de um terceiro? Bem, poderia ser a
instituição que ficou incumbida de pagar a prestação, o que não lhe dá o
direito de oferecer serviço não solicitado. Mas, até outros tantos
emprestadores também entram em cena, com insistências que, por vezes, raia ao
absurdo de se dirigir aos familiares do titular do direito. Algo que tangencia,
manifestamente, a lei de proteção aos dados.
Todo o tema não justifica solução afobada e pontual
que os salvadores da pátria querem propagar como sendo a melhor.
Eis um debate que, espero, só começa a ser levado a
sério.
Wagner Balera é professor
titular de Direito Previdenciário na Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Livre-docente e doutor em Direito
Previdenciário pela mesma universidade. Autor de mais de 20 livros sobre
Direito Previdenciário.
Fonte: Equipe de
Imprensa do Prof. Wagner Balera